Kelly Nascimento, jornalista

Os dias em que os consumidores se satisfaziam com produtos que tinham como diferencial a compensação ou minimização do impacto sobre o planeta gerado por sua fabricação estão contados. Não basta mais ser sustentável: é tempo de regenerar, reabilitar o planeta. Um planeta em que consumismo e ativismo climático podem jogar no mesmo time. Nesse novo cenário, comprar ou consumir será, cada vez mais, um ato político.
Quer entender como funcionará o consumo daqui para a frente? Imagine um mundo no qual produtos e serviços não apenas aliviam a culpa dos consumidores preocupados com o planeta, mas ajudam a frear a mudança climática. Novas mentalidades, novos negócios. Da parte das empresas, essa nova tendência criou também uma nova era: a da economia regenerativa.
Esse insight foi tangibilizado em números por uma pesquisa capitaneada pela ReGenFriends, em parceria com a Whole Health Marketing. As instituições ouviram 3 mil consumidores nos Estados Unidos para descobrir o que eles sabiam sobre os princípios “regenerativos” e como a regeneração pode afetar suas vidas, por meio de suas compras/escolhas. As respostas formam o estudo The Emerging ReGen Customer.
O resultado mostra a visão de clientes de indústrias diversas como alimentos, roupas, cuidados pessoais, produtos domésticos e tecnologia sobre o papel de marcas e organizações na construção de um futuro regenerativo.
Esses consumidores enxergam no chamado negócio regenerativo um alto potencial para “fazer o bem” e pautar a “responsabilidade verdadeira” das empresas. A pesquisa foi realizada em fevereiro de 2019 e novamente em fevereiro de 2020. Mas o que seria essa tal economia regenerativa?
Capitalismo que regenera
A economia regenerativa tem sido definida como um sistema econômico que trabalha para “restaurar” bens de capital por meio da reparação, renovação e crescimento do ecossistema planetário. Os modelos de negócio tradicionais trabalham com a opção de regenerar os ativos de capital ou consumi-los até o ponto em que o ativo não possa produzir um fluxo viável de bens e/ou serviços. O sistema que emerge reconhece a Terra como o bem de capital original. Assim, atribui o verdadeiro valor ao sistema de apoio à vida humana conhecido como meio ambiente.
Um dos efeitos colaterais da exaustão dos recursos naturais do planeta impacta diretamente a produção de alimentos: o esgotamento do solo. De acordo com o WWF, metade do solo superficial do planeta foi erodido por práticas agrícolas insustentáveis nos últimos 150 anos. O chamado solo superficial é a camada superior da terra. Rica em matéria orgânica e nutrientes, é fundamental para colheitas mundo afora e principalmente para o Brasil.
Perder nosso solo superficial significa perder os meios naturais para cultivar 95% de nossos alimentos, o que é uma realidade assustadora. A boa notícia é que o solo também pode ser regenerado. Para a economia regenerativa, a filosofia é: criar sistemas que aumentam os recursos naturais em vez de esgotá-los.
Cultivo regenerado
A economia regenerativa pode ajudar a encontrar saídas viáveis. Um dos grandes trunfos desse modelo de negócios é a capacidade de sequestrar carbono no solo. O cultivo regenerativo tem potencial de armazenar de 0,2 a 1,4 tonelada de carbono por hectare/ano.
Projeções do Rodale Institute indicam ser possível sequestrar mais de 100% das atuais emissões anuais de CO2 se todas as áreas agrícolas e pastagens globais fossem manejadas com métodos de agricultura orgânica regenerativa. Um feito e tanto!
A agricultura que segue esses princípios prioriza a saúde do solo, usando culturas de cobertura e rotação de culturas, garantindo que o pasto seja bem manejado, e não o cultivo. É tudo sobre a adoção de práticas que imitam os processos ecológicos naturais, tanto para reviver terras degradadas quanto para sequestrar carbono no solo.
Promissora, a tendência já atrai gigantes da alimentação. A Danone informou que está alocando US$ 20 milhões para ajudar fazendas em toda a América do Norte a implementar práticas regenerativas.

Restaurando na prática
Um exemplo de agricultura regenerativa na prática é a fazenda White Oak Pastures, em Bluffton, no estado da Geórgia. Sem preocupações ambientais, nos anos 1980, o negócio familiar resolveu adotar ferramentas industriais para reduzir os custos da agricultura, incluindo pesticidas, fertilizantes químicos, hormônios e antibióticos.
O modus operandi mudaria na década seguinte. Will Harris, proprietário da White Oak Pastures, decidiu levar a fazenda de volta às suas origens. Harris estava decepcionado com os impactos da produção industrial no ecossistema.
Atualmente a fazenda é um exemplo de agricultura regenerativa. “Hoje, estamos criando gado, ovelhas, cabras, porcos, aves e coelhos usando os mesmos métodos que o bisavô de Will usou um século e meio atrás. Apoiamos proativamente a cadeia alimentar da natureza, usando apenas o sol, o solo e a chuva para cultivar capim-doce para nossos animais comerem. Usando o manejo regenerativo da terra, fazemos rodízio de espécies animais complementares lado a lado em nossas pastagens. As vacas pastam na grama, as ovelhas e cabras comem o joio e os arbustos e as galinhas bicam as larvas e os insetos. Todas as espécies fertilizam naturalmente a terra, e nosso solo é novamente um meio orgânico vivo que fervilha de vida”, destaca a empresa em um comunicado sobre a transição de negócios.
Tendência multissetorial
A economia regenerativa não está mudando apenas o agronegócio ou a indústria de alimentos. Cada vez mais empresas, de segmentos diversos, abraçam o restauro do planeta como efeito colateral do capitalismo. Na moda, o exemplo é a Patagônia, que assumiu o compromisso de adquirir 100% algodão regenerativo e cânhamo até 2030.
No setor de eventos, uma das capitaneadoras da mudança é a britânica Imex, que montou uma estrutura para ajudar os produtores de eventos a eliminar a poluição ao focar no rejuvenescimento de sistemas naturais e comunidades.
Para difundir o conceito a outras empresas, a norte-americana Interface desenvolveu a metodologia “Factory as a Forest”. Com ela, oferece planos sob medida sobre formas de uma fábrica moderna impactar positivamente o meio ambiente.
Ao que parece, a produção regenerativa tem força para virar o “novo normal”. Melhor assim.